Livros na telona: O ódio que você semeia



O livro "O ódio que você semeia'' [The hate u give] da autora Angie Thomas ganhou uma adaptação para os cinemas aqui no Brasil em dezembro de 2018.

A história narra a vida de Starr Carter, uma adolescente negra de dezesseis anos, moradora do subúrbio, que vê o seu amigo de infância Khalil ser assassinado na sua frente por um policial branco que parou o veículo em que eles estavam. O policial viu ele se inclinando no carro e atirou achando que ele segurava uma arma. Khalil morreu segurando uma escova de cabelo em suas mãos.

Khalil e Starr no carro em O Ódio que Você Semeia

Ela é chamada a depor perante um tribular porque é a única testemunha para explicar o que realmente aconteceu naquela noite. Agora, ela precisa decidir o que fazer com o triste poder que recebeu ao ser a única testemunha de um crime que pode ter um desfecho tão injusto como seu início. Acima de tudo Starr precisa fazer a coisa certa.

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O filme que teve a direção de George Tillman, aborda o racismo, preconceito e agressão policial, temas infelizmente atuais em nossa sociedade. Quantos Khalils não tiveram suas vidas interrompidas por abordagens policiais e seus ''achismos''? Sem falar no índice de brancos mortos por "engano" que é muito menor...

“Atiram primeiro, depois perguntam.”  
“Negros inocentes são mortos pela polícia frequentemente. Não está certo! O sistema todo é corrupto.”

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A primeira cena do filme já começa impactando. O pai de Starr, Maverick (Russell Hornsby), preparando os filhos para a vida sendo negros. Ele explica que acima de tudo, é preciso ter orgulho pois ser como são é uma dádiva e eles devem amar sua cor. Isso é muito importante! Devemos ensinar a essa geração que está nascendo e crescendo a se amarem do jeito que são, que são lindos cada um do seu jeitinho, a amarem sua cor, a não ter preconceito com as diferenças. Como diz na música do filme Moana "contando histórias do passado nossa herança se mantém".

“Nunca esqueçam que é uma honra ser negro, porque viemos da grandeza.”

THE HATE U GIVE
Contém spoiler 

Os dois mundos de Starr 


Apesar de morar em Garden Heights, um bairro pobre e violento, Starr frequenta uma escola particular, a Williamson. Starr sabe da existência do preconceito velado e por isso desenvolveu uma tática de sobrevivência em seu novo colégio. Ela se sente como uma agente dupla: em sua comunidade age de forma normal, mas teme não ser tratada do mesmo modo por agora estudar em um colégio de brancos. Já na sua escola, ela age diminuindo o tom de sua negritude: não usa o casaco que de acordo com ela a faria parecer como uma “favelada”, não usa as gírias que normalmente fala.

Ela embranquece o seu ser para se encaixar melhor no novo ambiente, enquanto observa seus colegas brancos ouvirem hip-hop e tentarem agir como negros. De acordo com a personagem, este é um privilégio de ser branco, já que eles podem ter a atitude de um negro e continuarem inofensivos aos olhos da sociedade, sem serem estigmatizados como “favelados”.

Inicialmente, pode-se pensar que Starr exagera com relação à realidade em seu colégio. Ela aparenta ser bem tratada, tem amigos, um namorado. Ninguém parece agir com preconceito para com ela por sua cor ou pelo bairro em que mora. E então seu amigo é assassinado.

Rapidamente, a dinâmica de Starr com seus amigos e seu colégio muda completamente.

O jogo de luz do filme mostra bem a diferença entre os dois mundos em que ela vive. Seu bairro é sempre ensolarado e cheio de vida, enquanto a escola é fria. Starr evita tanto misturar os dois mundos, que não conta para seu namorado, Chris, interpretado pelo KJ Apa, de "Riverdale", que o garoto morto em Garden Heights era seu melhor amigo.


O confronto

Enquanto luta para decidir se coloca seu rosto em todos os jornais do país, perdendo o conforto de ficar no anonimato, nós vemos o líder de uma gangue chamada King Lords na sua cola para saber se ela vai falar alguma coisa. O conflito interno de Starr é mostrado em cada cena que ela começa a estranhar as atitudes de Hailey (Sabrina Carpenter), uma garota branca que não percebe seu racismo. Quando Starr a acusa de ter uma postura racista, Hailey fica revoltada. Como Starr pode realmente achá-la racista se uma de suas melhores amigas (a própria Starr) é negra?

Starr explica a Hailey que a “amiga” não a teme porque Starr “embranqueceu” para se encaixar nos padrões do colégio. Ela ainda é negra, mas é inofensiva. E é por esta razão que elas se tornaram amigas. Se Starr tivesse agido naturalmente desde o início, provavelmente Hailey a acharia uma “favelada” e elas não teriam se aproximado.

Starr acaba perdendo a paciência com ela e tenta mostrar como é viver na pele de um negro.

“É sempre ‘nosso’ e ‘nós’. ‘Vidas negras importam’. Até você segurar sua bolsa quando vir um negro no elevador.”

O preconceito velado 

Tanto o policial assassino quanto parte da sociedade acreditam que ele agiu em legítima defesa, pois achava que o jovem negro era suspeito e estava portando uma arma. Ao mesmo tempo, o próprio tio de Starr, que é policial e também tem esse pensamento (apesar de ser negro) admite que se estivesse em um bairro rico e parasse um rapaz branco bem vestido, ele daria uma advertência antes de atirar. A diferença no procedimento do policial exclusivamente pela cor do suspeito é uma forma de racismo.

A manifestação de alguns estudantes em favor do assassinato de Khalil é usada como justificativa para a suspensão das aulas, o que deixa os colegas de Starr muito felizes. Hailey sente pena pelo assédio que o policial está sofrendo, afinal ele agia em legítima defesa.

O filme nos faz relembrar de que o racismo não é praticado apenas por aqueles que queimam cruzes, usam palavras ofensivas ou agridem negros. Existe um preconceito velado, que é igualmente nocivo.


O reconhecimento dos privilégios como forma de combate ao racismo

Diferente de Hailey, há personagens brancos no filme que conseguem enxergar seus preconceitos e aprender com eles. Acreditando apoiar Starr, Chirs (K. J. Apa) fala para a adolescente que ele não enxerga sua negritude. Para ele, não existe diferenciação entre as raças, são todos iguais. Starr então afirma que se Chris não vê sua negritude, ele não a enxerga.

A afirmação de Starr nos faz refletir sobre como não ver diferenciação entre as raças é um privilégio da raça dominante/opressora. Falar que todos são iguais, independente de cor, raça, sexo ou religião, parece óbvio, mas apesar do discurso ser certamente inclusivo, não é o que ocorre na prática.

Negros, gays, mulheres, dentre diversas outras minorias (se é que podem ser chamados numericamente de minorias) sofrem inúmeros preconceitos todos os dias. Sendo assim, como falar em igualdade? É fácil para um homem branco sustentar um discurso de que trata a todos de forma igual, sem se importar com as diferenças. Não há desafios ou barreiras para ele em razão de sua cor.

Realidade diferente vive o negro. É mais difícil para ele discorrer sobre a igualdade das raças quando vive na pele o preconceito por sua cor. Indiscutivelmente, todos deveriam iguais. Mas infelizmente, o racismo e diversas outras formas de preconceito existem. E reconhecer essa realidade em vez de negá-la é um importante passo rumo à mudança.


E o que rola depois?

Starr tinha tudo para se entregar a tristeza e ao luto. Sem saber se testemunharia ou não, ela se dá conta de que, se alguém não fizer alguma coisa, a morte de seu amigo será apenas mais uma, mais um corpo de um jovem sem rosto e esquecido.

Aconselhada por April Ofrah (Issa Rae), Starr demonstrou enorme bravura ao decidir testemunhar o que viu, incluindo expor o tráfico de drogas que existia em sua região, comandado por King, até então intocável. Como represália, o traficante passou a ameaçar a jovem e sua família.

Mais uma vez, Starr não se calou perante as ameaças. Ela foi aconselhada por seu pai a não temer as consequências de fazer o que é certo.

O golpe final veio quando descobrimos que o Ministério Público decidiu não indiciar o policial pelo crime de assassinato. Inicialmente inconsolável, Starr se recompõe e cria forças para liderar um protesto buscando justiça para seu amigo.

O Ódio que Você Semeia


Tupac Shakur e o significado de “Thug Life”

“Thug life” sempre foi um termo utilizado no inglês para indicar “vida bandida”. Mas foi o rapper Tupac Shakur, morto em 1996, que deu à expressão um novo significado. Para ele, que ostentava orgulhosamente uma tatuagem com os dizeres em seu abdômen, “thug” não era um termo que indicava criminosos violentos e inescrupulosos. A expressão era direcionada a todos os marginalizados e excluídos da sociedade, que entravam para o crime por não possuírem as  mesmas oportunidades que os mais abastados.

Além disso, para o rapper, “Thug Life” podia também ser visto como um acrônimo para “The Hate U Give Lil’ Infants Fucks Everyone“/”O ódio que você semeia aos pequenos f*** todo mundo“. Ao serem criadas à margem da sociedade e em uma cultura de ódio, as crianças crescem sem empatia alguma por seus opressores, e acabam descontando sua raiva e frustrações em toda a sociedade.


O Ódio que Você Semeia é um filme necessário! Aborda racismo e empoderamento negro de forma brilhante, nos levando a reflexão.

Quem fez o papel da Starr foi a maravilhosa Amandla Stenberg, que é conhecida por seu papel em ''Jogos Vorazes'' como a Rue e também no filme "Tudo e toda as coisas" (que também é um livro e tem aqui no blog e preciso falar do filme também).

Starr faz um discurso com o megafone em O Ódio que Você Semeia


O filme desperta sentimentos de ira, revolta, dor, esperança e amor, e confesso, CHOREI horrores do inicio ao fim e eu amei que é bem fiel ao livro. Simplesmente amei ver o amadurecimento da Starr e como ela é um exemplo de resiliência e uma grande inspiração para todos aqueles que sofrem preconceito ou já perderam algum ente querido para a violência.

Quem ainda não assistiu o filme, vale muito a pena assistir. Eu assisti pelo site Rede Canais. Veja o trailer abaixo:



E para quem conhecia o filme e nunca leu o livro, tem disponível aqui no blog, clique aqui

Uma indicação de outro livro da mesma autora, é o livro "Na Hora da Virada", que também aborda racismo, preconceito, machismo, rixa de gangue e relações familiares. Para ver mais sobre o livro clique aqui.

Espero que tenham gostado!

O que achou do filme? Comentem!


Créditos: PureBreak (Terra) / Farofa Geek

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